domingo, 31 de janeiro de 2016

Goodnight Mommy

Direção: Severin Fiala,
Veronika Franz, 2014.
Um thriller austríaco. O filme conta a história de irmãos gêmeos que moram apenas com sua mãe. No início do filme os irmãos estão brincando fora da casa, aguardando sua mãe que foi fazer uma cirurgia no rosto, porém, quando ela volta, há algo estranho entre eles. A mãe retorna com o rosto enfaixado e coloca novas regras na casa para um melhor repouso, segundo recomendações médicas, como as cortinas fechadas e o mínimo de barulho possível. Os garotos logo começam a desconfiar que ela possa não ser a sua verdadeira mãe, pois ela não mostra o rosto que está sempre escondido atrás das ataduras, e a partir daí o filme se desenvolve tensamente.

O longa tem uma ritmo e estética muito diferentes do que estamos acostumados com as produções dos Estados Unidos. É um filme de suspense com uma fotografia e direção de arte belíssimas, com ótimos planos abertos e uma iluminação que conversa com o filme e conosco em vários momentos. As cenas não são gratuitas; os elementos que as compõe são muito bem pensados para nos dar a dose certa de tensão, mistério e nos encaminhar para algum lado da história. História essa que tem dois lados conforme o filme se desenvolve: o lado da mãe e o das crianças. Você desliza por esses lados muito rapidamente, ora pensa que a mãe está certa, ora que os meninos.


O filme é lindo esteticamente, e também segue um ritmo lento que nos dá tempo para observar os detalhes das cenas, o que é muito importante. Existem poucos diálogos, a maior parte do tempo nós observamos a interação dos irmãos com suas brincadeiras dentro da casa e fora dela, e eles não conversam muito entre si e muito menos com a mãe que voltou tão diferente daquela cirurgia. Esse pode não ser um filme pra quem gosta de algo mais acelerado, com grandes sustos e sangue, mas para quem viu The Gift (2015) e adorou, aqui temos uma ótima recomendação.  A respeito das atuações, todas estão no nível ideal. Sempre acho complicado trabalhar com crianças, mas aqui os atores funcionam, com os poucos diálogos eles fazem um trabalho corporal bem interessante, conversando com os olhos, gestos, expressões faciais e com os silêncios. Há ainda um plot twist muito bem trabalhado, e que o longa nos dá várias pistas para descobri-lo. Temos aqui uma ótima produção, que é categorizada como um suspense, mas tem muito mais a nos dizer do que apenas um filme de gênero. É algo que trabalha com a psicologia, a agonia, o desespero, a tensão, o relacionamento familiar, e principalmente com o Cinema.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Room

Direção: Lenny Abrahamson, 2015.
Um drama psicológico existencialista. O longa conta a história de Jack (Jacob Tremblay) e sua Mãe (Brie Larson), que vivem num quarto minúsculo e o garoto não conhece o mundo fora disso (além do que vê na televisão, mas crê que tudo seja fantasia). Jack completou cinco anos, enquanto sua mãe está por lá há pelo menos sete, e o criou sozinha, o ensinando a ler, escovar os dentes, cozinhar, etc. O garoto, que não acreditava que havia um mundo fora do quarto, acaba se questionando e instigado pela curiosidade, topa fugir. Aos poucos, ambos começam a planejar a fuga do local para Jack conhecer o mundo lá fora, com árvores, cachorros, grama e seus avós.

Brie Larson, vencedora do Globo de Ouro 2016 como melhor atriz em filme dramático, e o jovem Jacob Trembley estão excepcionais nesse filme. Sempre me surpreendo com crianças arrasando nas atuações, e Jacob me lembrou um pouco de Noah Wiseman (The Babadook, 2014), porém com uma carga dramática maior e um material melhor para explorar sua atuação, principalmente pelo roteiro. O roteiro ajuda muito a construir a relação mãe-filho dos dois, que são muito próximos, e junto com as atuações fazem você comprar a história de amor, amizade e companheirismo dos dois, é muito crível. Há ainda diálogos (e monólogos) existencialistas, do garoto se perguntando sobre o mundo lá fora e de como ele via o mundo como seu quarto minúsculo. Outro ponto interessante a ser observado são as cenas no quarto, extremamente claustrofóbicas, sujas, feias, com uma pequena abertura para a luz do sol entrar, dando um contraste entre o mundo lá fora e o quarto.


O longa tem uma carga dramática muito grande, com algumas partes tensas, outras alegres e até fofas, porém o que mais impacta são as partes trágicas. Várias cenas me fizeram chorar, tanto de alegria quanto de tristeza, pois o filme nos traz uma montanha russa de emoções, e quanto mais você se encanta pelos personagens e a história deles, mais você é atingido com as consequências do nosso mundo para aquelas pessoas que estiveram isoladas há tanto tempo. Atuações e roteiro juntos, com uma ótima direção, fazem desse um dos melhores filmes do ano passado, com uma nota dez, não poderia ficar de fora das premiações desse ano.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bicho de Sete Cabeças

Direção: Laís Bodanzky, 2001.
Um drama psiquiátrico nacional. O filme conta a história de Neto (Rodrigo Santoro), um jovem que não tem uma ligação forte com seus pais, e junto com seus amigos acaba se envolvendo com maconha. Como a convivência em casa não é muito boa, algumas brigas acabam acontecendo, até que seu pai (Othon Bastos) descobre um cigarro de maconha junto com as coisas de Neto. O pai, conversando com a família para procurar uma solução para o caso, acaba internando o jovem num hospital psiquiátrico, pois segundo ele (e a mídia) a maconha era uma droga viciante e que a partir dali a situação só pioraria.

O longa é ótimo, porém conta com algumas situações familiares para quem conhece outras obras sobre hospitais psiquiátricos, principalmente One Flew Over The Cuckoo’s Nest (1975) e Girl, Interrupted (1999). Algumas cenas, diálogos e personagens remetem bastante ao longas citados anteriormente, o que propõe uma falta de originalidade, mas aqui trata-se de uma adaptação de um livro (Canto dos Malditos), que por sua vez é baseado em acontecimentos reais, ou seja, são situações recorrentes nos hospitais psiquiátricos tanto no Brasil como no exterior, infelizmente. As atuações são muito boas, com Rodrigo Santoro decolando no cenário nacional, mas gostaria de destacar também o personagem de Gero Camilo, um interno do hospital.


A familiaridade do filme é encoberta pela originalidade da direção e sua adaptação para o cenário nacional. Interessante observar algumas críticas feitas sobre a relação da juventude da virada do milênio com seus pais e a escola, o vício e as maneiras como são entendidos pela mídia e sociedade, a diferença (ou não) entre droga e remédio, a superlotação, e principalmente os cuidados e a situação dos internos nesses hospitais psiquiátricos, o modo como é feito o tratamento. E afinal, um tratamento para quê? O Bicho de Sete Cabeças tem uma temática forte, um pouco familiar porém com reflexões pertinentes na nossa sociedade e de suma importância, com uma nota 9, é um dos grandes nomes do cinema nacional.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Spotlight

Direção: Tom McCarthy, 2015.
Um drama investigativo baseado numa história real. O filme conta a história de um grupo de jornalistas de Boston que busca descobrir e denunciar casos de pedofilia dentro da Igreja Católica. O caso aconteceu em 2002, mas desde décadas atrás existiram denúncias contra membros da Igreja, que acabaram sendo abafados, não ganhando destaque algum. Essa equipe investigativa, denominada “Spotlight”, é vinculada ao jornal “The Boston Globe”, e acaba descobrindo milhares de documentos a partir desses casos abafados, além de outras pesquisas e entrevistas com pessoas ligadas aos casos.

A equipe “Spotlight” é pequena, mas tem um elenco de peso, com Michael Keaton, Mark Ruffalo e Rachel McAdams como jornalistas principais. Ótimas atuações de todo o elenco, cada um com suas peculiaridades e personalidades: Keaton faz o líder da equipe, com mais experiência no campo; Ruffalo faz o jovem jornalista sonhador e empolgado com o trabalho; McAdams faz uma ótima profissional, um meio termo entre os dois anteriormente mencionados. Aqui, o trunfo do filme é realmente o roteiro. Por ser um drama investigativo, o longa conta com muitos diálogos, descobertas, pesquisas, entrevistas, etc. Não é algo divertido, cômico ou algo do gênero, mas sim uma investigação com descobertas muito relevantes e um tema que nos impacta e é muito atual. São duas horas baseadas nisso, o que pode parecer ser algo monótono e cansativo, mas cada descoberta tem um peso grande e o quebra-cabeça montado é gigantesco.


Inevitável não falar da crítica à Igreja Católica. Não há crítica na fé de cada um, na religião, nos Deuses, mas sim nas pessoas que compõe essa Igreja, que acoberta os crimes, na hierarquia do clero, na sociedade que é enganada com tudo isso. Vemos que a pedofilia na Igreja não são casos isolados ou “maçãs podres”, mas sim algo constante e passível de estatísticas assustadoras. Vemos os jornalistas que tentaram investigas os casos antes, mas que a Igreja conseguiu os calar de algum modo. E vemos, finalmente, a investigação que ligou todos os pontos, que pegou “casos isolados” e juntou-os, mostrando ao mundo o quão suja é a Igreja o que ela faz para acobertar a pedofilia. E o pior de tudo: é real. E o longa não trata os jornalistas como heróis nem algo do tipo, apenas profissionais com uma gana muito forte em juntar as peças, e que acabam tendo várias dificuldades para chegar ao fim, assim como acontece na vida real. O filme nos mostra os dilemas e os empecilhos na vida de um pesquisador, investigador e jornalista. Com uma grande direção, ótimas atuações e um roteiro impecável, é uma forte indicação aos prêmios da academia. Nota dez para Spotlight, merecidamente. 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Brokeback Mountain

Direção: Ang Lee, 2005.
Um lindo e importantíssimo romance dramático. O filme conta a história de Jack (Jake Gyllenhaal) e Ennis (Heath Ledger), que vão trabalhar juntos durante um tempo pastoreando algumas ovelhas na montanha de nome Brokeback. Durante esse tempo juntos e isolados do resto do mundo, acabam se apaixonando e tendo um relacionamento. Porém, Ennis está para se casar com uma mulher com quem mantém um relacionamento, e após esse período na montanha eles acabam rompendo essa relação e tanto Ennis quanto Jack seguem suas vidas. Mas o que eles viveram foi muito profundo e inesquecível para ambos, e eles voltam a se encontrar após quatro anos, mantendo uma relação extraconjungal durante cerca de 20 anos. Tudo isso num sudoeste norte-americano na década de 1960 e 1970.

Por se passar nessa região norte-americana, a fotografia do filme capta bem a natureza do local, nos dando planos belíssimos de florestas, lagos e animais. Considero um filme importante, pois qualquer longa que aborde algum tema LGBT de forma sincera, profunda e não pejorativa merecem destaque para combater o preconceito enraizado durante séculos na sociedade. A história é muito linda, mas por se passar num determinado local e numa determinada época, há muito sofrimento por parte dos protagonistas, que tendem a manter seus relacionamentos com as esposas mesmo estando todos infelizes naquele meio. A relação de Jack com Ennis é muito envolvente, e após o período de quatro anos que eles estiveram afastados inicialmente, o reencontro deles é uma das cenas mais lindas que vi ultimamente e percebe-se uma sintonia entre os atores. Falando em atuações, o elenco, além de Jake Gyllenhaal e Heath Ledger, conta ainda com Anne Hatthaway e Michelle Williams, que estão ótimas nos papéis. Mas realmente, se o filme fosse duas horas de Jake Gyllenhaal com Heath Ledger seria incrível também, com atuações sinceras, contidas, críveis, onde Gyllenhaal faz o rapaz sonhador que está disposto a largar tudo e viver seu romance apesar de todos os preconceitos e julgamentos da sociedade, enquanto Ledger faz o rapaz mais conservador que tem medo que alguém descubra esse relacionamento, e apesar de estar infeliz com toda a situação, não tem coragem de assumir a homossexualidade.


Como falei, é uma história linda, mas com uma profunda infelicidade e tristeza nítidas nos personagens. Apesar dos esforços para manter suas famílias com um pouco de dinheiro, suas esposas um pouco contentes, e conseguir se encontrar nas montanhas durante algum tempo escondidos de todo mundo, a melancolia e tragédia prevalecem. Os diálogos entre os protagonistas são ótimos, nos envolvendo na paixão dos dois, e nos entristecendo a cada vez que se afastam. Importante ainda falar dos diálogos entre os maridos e as esposas: conversas rasas, sem emoção e com um profundo desgaste nas feições deles, chegando a perecer que um “relacionamento por telefone” não seria diferente. O roteiro, a fotografia e as atuações me envolveram tanto que não teria outra nota a não ser 10 para esse filme. 

sábado, 2 de janeiro de 2016

Me and Earl and the Dying Girl

Direção: Alfonso Gomez-Rejon, 2015.
Um filme tragicamente lindo. O filme conta a história de Greg (Thomas Mann), um garoto que está terminando o ensino médio e tem a sua vida transformada radicalmente. Greg é um garoto invisível na escola, possui apenas um amigo de nome Earl (RJ Cyler), e não tem pretensão nenhuma de ir para a faculdade, sem planos para o futuro. Sua vida muda quando uma garota da sua escola, Rachel (Olivia Cooke), descobre que tem leucemia, e a mãe de Greg o obriga a passar algum tempo com a pobre garota. A partir daí nasce uma bela amizade e o longa se desenvolve.

Parece um filme bobo adolescente, clichê e sem nada a acrescentar. Mas talvez não seja. O filme lembra muito de The Fault In Our Stars (2014), com a mesma trama, um casal principal e um amigo, doenças terminais e relacionamentos. Aqui, o que o longa de 2014 tem de romance, este daqui tem de amizade. Senti uma originalidade por parte da direção, com muita firmeza, o diretor sabe o que quer nos mostrar e nos dá algo singular, com um desenvolvimento de personagens muito bom, um roteiro bem fechado com um final lindo, uma ambientação característica de filmes adolescentes “indies”.  Assim como em The Perks of Being a Wallflower (2012), o longa nos traz alguns questionamentos sobre esse “ser invisível na escola”, sobre o não pertencimento a um grupo específico, sobre toda a complexidade que parece ser esse high school norte americano. Ainda há alguns pontos característicos de filmes adolescentes atuais, como não saber o que fazer no futuro, não ter uma faculdade certa, estar indeciso, confuso, com uma pressão familiar indesejada e a complexidade dos relacionamentos.


Com tantas referências assim, parece ser uma mistura de tudo, uma reciclagem, pegando pontos positivos dos filmes e colando em um só. Mas eu achei este muito mais profundo e bonito que os outros, trabalhando bem alguns clichês. O longa faz ainda uma homenagem ao cinema de uma forma geral, que me lembrou de The Wolfpack (2015), mas aqui Greg e Earl fazem paródias de filmes clássicos de uma forma cômica e trash. Destaco também as atuações, principalmente a Olivia Cooke que está incrível, dramática e engraçada, diferente de outros papéis que ela fez nos filmes de sua carreira, mas semelhante a sua personagem em Bates Motel (2013-). Me and Earl and the Dying Girl é um filme comovente, dramático, intenso e belo, que me envolveu bastante, a ponto de dar uma nota 9 por mexer de tal forma com nossas emoções. Aliás, infelizmente vi esse filme em 2016, mas entraria facilmente entre os melhores do ano passado.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Jack et la Mécanique du Coeur

Direção: Mathias Malzieu,
Stéphane Berla, 2013.
Uma fantástica animação francesa. O longa conta a história de Jack, um garoto que nasceu no dia mais frio em Edimburgo, e teve seu coração congelado, tendo que ser substituído por um relógio. Jack cresce e tem que aprender a conviver com esse coração mecânico e algumas regras para sua sobrevivência, como aprender a controlar a sua raiva e não se apaixonar.

Ao longo do filme senti uma mistura de três animações em uma só: The Nightmare Before Christmas (1993), Coraline (2009) e The Boxtrolls (2014). O filme conta com várias partes musicais, o que me remeteu ao longa de 1993, e tem uma ambientação um pouco sombria que me lembrou de Coraline, e ainda os figurinos e o traçado da animação são parecidos com o longa de 2014. O que dá uma mistura fantástica. E se isso já não bastasse, ainda há uma homenagem ao cinema à lá Hugo (2011). São referências muito positivas, trazendo ainda toda a sutileza francesa de lidar com o amor.

Outro ponto forte do filme é o desenvolvimento da animação e a interação com os personagens. Em alguns ambientes, se tem maior liberdade de explorar o meio criativo das animações, dando um mundo fantástico a parte para o longa. Há ainda a trilha sonora que compõe muito bem um mundo sombrio, moderno e retrô. Melhor ainda quando há a combinação da animação interagindo com a trilha sonora, em algumas partes musicais do filme, por vezes cantando em francês, outras em inglês e também espanhol.

Além dos aspectos técnicos, a animação nos entrega uma reflexão acerca dos sentimentos humanos, dentre eles o principal do filme que é o amor. O amor entre duas pessoas, o amor entre mãe e filho, entre o menino e uma figura paterna, entre duas pessoas que estão se apaixonando. O ciúme gerado às vezes, a raiva por algumas situações. E a tristeza misturada com a alegria, o que faz de alguém muito sortudo por conseguir sentir dois sentimentos tão fortes simultaneamente. Ainda existe toda a metalinguagem acerca do coração-relógio, incapaz de suportar felicidades e sofrimentos intensos, uma bomba prestes a explodir com qualquer sentimento brusco. Enfim, deixo minha nota 10 para essa bela animação francesa, que me conquistou em cheio com tantas referências positivas e questionamentos importantes, além do visual fantástico.