quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Lua em Sagitário

Direção: Marcia Paraiso, 2016.
Lua em Sagitário é um filme que pode incomodar muita gente, mas não pelos mesmos motivos. Esse longa nacional conta a história de dois jovens que vivem na divisa de Santa Catarina com a Argentina, mais precisamente na região de Princesa, uma cidade do interior, pequena, onde todos se conhecem e não pega muito bem o sinal de celular e internet. Os jovens são Ana (Manuela Campagna) e Murilo (Fagundes Emanuel), que se conhecem na Caverna, um estabelecimento regido por um argentino amante de rock e com muita história para contar. A Carverna é um misto de lan house e sebo de discos e livros, um espaço que serve como refugio para os adolescentes, também amantes de rock. A história mescla entre um romance adolescente e um road movie, pois Ana e Murilo se apaixonam, e num certo momento resolvem viajar de moto de Princesa até Florianópolis, a fim de chegar ao evento musical Psicodália, que acontece no norte catarinense.  


      A direção do filme é de Marcia Paraiso, que tem em sua carreira alguns documentários contam com estado catarinense como plano de fundo, como o Terra Cabocla (2015), que aborda a Guerra do Contestado (1912 - 1916), e que há uma profunda ligação com Lua em Sagitário. No longa de 2016, o personagem de Murilo vive num assentamento do Movimento dos Trabalhores Rurais Sem Terra (MST), e frequenta a cidade de Princesa por conta da Caverna, e lá conhece Ana, por quem se apaixona. A Guerra do Contestado foi uma luta por terras, assim como a luta do MST atualmente (não apenas por isso, mas há ai uma ligação nos trabalhos da diretora). 


      Infelizmente o filme conta com vários problemas, e o principal deles é o elenco. Em muitos longas, às vezes um ator pode salvar um filme, mas aqui não há ninguém qualificado para isso. Campagna e Emanuel são atores jovens, que não tem muito o que nos oferecer ainda, e por várias vezes nos deixam com um ar de que estamos vendo algum capítulo de Malhação, porém, em uma ou duas cenas Campagna se destaca um pouco mais e nos encanta. O roteiro também poderia se aprofundar em muitos temas, mas acaba focando no romance dos dois (que talvez seja uma escolha da direção até), e mesmo assim há vários diálogos bobos e desnecessários, mais uma vez dignos de Malhação. O filme conta também com Jean Pierre Noher no papel de LP, o dono da Caverna, que cumpre muito bem o seu papel de roqueiro old school e mentor dos jovens. Há também a participação de Serguei e Elke Maravilha - esta em seu último papel na carreira. 


      A trilha sonora de Lua em Sagitário pode incomodar também. Parece que pegaram uma playlist de músicas nacionais indie-hipster e um pouco de rock argentino, como O Teatro Mágico, Mallu Magalhães, A Banda Mais Bonita da Cidade, Tulipa Ruiz e El Mato A Un Policia Motorizado. No fim das contas, algumas músicas acabam casando bem com as cenas, como a Canção da Terra do Teatro Mágico, que toca quando estão num assentamento do MST (O latifundío é feito um inço que precisa acabar, romper as cercas da ignorância que produz a intolerância, terra é de quem plantar), e Só Sei Dançar Com Você da Tulipa Ruiz, que toca quando estão transando (Só sei dançar com você, isso é o que o amor faz)
  
      Mas o que mais pode incomodar as pessoas é a mensagem que o filme traz. Princesa é uma cidade pequena, na qual a maioria das pessoas é religiosa, todos se conhecem, e perto dela há um assentamento do MST, onde existem várias famílias que trabalham em conjunto, plantam, produzem artesanato, estudam e se divertem como qualquer pessoa, e vendem seus produtos para regiões próximas. A família de Ana possui um pequeno comércio em Princesa, pelo qual batalhou muito para conseguir, e o patriarca compartilha a opinião de muitas pessoas no Brasil: MST é tudo vagabundo que vivem as custas do governo, não querem saber de trabalhar. O longa não mostra muito do convívio no assentamento, porque não é o foco, mas do pouco que mostra também não romantiza o MST, apenas nos faz ver que são pessoas como todos nós, que trabalham para sobreviver mas de modo diferente, e que não comem criancinhas. Além disso, o filme conta com alguns diálogos sobre a classe média brasileira que se acha elite a vomita o preconceito que a elite tem com os pobres, e isso incomoda muita gente.  


      Lua em Sagitário tem um nome que não precisava (só na última cena nos é revelado o porquê do título, mas não convence muito), e pode incomodar muita gente, ou pelo elenco, ou pela trilha sonora, ou pela mensagem crítica. É também um filme que poderia ser muito mais do que foi, se tivesse um orçamento maior e não um apelo ao público adolescente. Ainda assim, é importante haver longas com uma reflexão social e que tente conversar com os jovens.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Don't Breathe

Direção: Fede Alvarez, 2016.
A tradução brasileira às vezes pode acabar com um filme ótimo. Poderia ter sido dessa vez, mas foi só mais uma tradução de título bosta. Don't Breathe poderia ter sido traduzido ao pé da letra que faria todo o sentido, mas O Homem nas Trevas é tão clichê que dá mais público, acontece. É mais um ótimo terror de 2016, tenso e violento, que não subestima o espectador e até nos surpreende com cenas tecnicamente bem feitas. 

O longa conta a história de três jovens que vivem em Detroit, cidade norte americana que declarou falência anos atrás (fato que por coincidência ou não torna a trama mais real), e ganham a vida realizando pequenos furtos em casas asseguradas pela seguradora do pai de um deles. Grande parte das pessoas da cidade foram embora dela, deixando-a com uma aparência de "cidade fantasma", o que de certa forma facilitava para eles na execução dos furtos. Porém, o pouco que levavam não era o suficiente para seus sonhos (como mudar de cidade), e após receberem a informação de haver cerca de 300 mil dólares na casa de um ex soldado cego , resolvem investir nele como se fosse o último furto de suas vidas.


      Sam Raimi (Evil Dead, 1981) resolveu apostar, faz alguns anos, no jovem Fede Alvarez, e juntos contam com três colaborações tendo Alvarez na direção: Panic Attack! de 2009; um remake de Evil Dead de 2013; e agora Don't Breathe. Parece que agora acertaram em cheio na produção, finalmente. Alvarez chega até a nos impressionar em algumas cenas, como num falso plano sequência quando os jovens entram na residência do ex soldado, e uma iluminação e edição de som que tornam o longa ainda mais tenso. Como o vilão do filme é cego, ele não precisa de luz elétrica, o que gera uma ótima cena no porão, porém ele tem uma audição aguçada, que é tanto um ponto fraco quanto forte, e me remeteu em certos aspectos ao bom Hush desse ano também.

A respeito das atuações, entre os jovens não há muito o que dizer, cumprem o seu papel apenas, tendo como destaque Jane Levy (Suburgatory, 2011 - 2014). O grande personagem do longa é Stephen Lang, que interpreta o ex soldado. Aqui ele constrói um vilão amedrontador, sério, afetado psicologicamente mas que acima de tudo sobreviveu a uma guerra. O que seria para ele três jovens invadindo sua casa? O medo do desconhecido, da escuridão, da violência e da morte: é a tensão que o filme nos causa. Há, além da tensão e do medo, muita violência: socos, tiros, marteladas e muito sangue. E um trabalho muito bem feito pela equipe de maquiagem. Mas apesar de tudo, é claro que o filme contém algumas falhas, como um número muito grande de balas numa arma e os famosos protagonistas sortudos, que conseguem repelir as balas em tiroteio. Com tantos pontos positivos, no fim dá pra relevar esses erros.

O ano felizmente está ótimo para o gênero de terror. Contamos com The Witch (que apesar de ser de 2015, estreou no Brasil esse ano), 10 Cloverfield Lane, Hush, e The Conjuring 2. Apesar de ter falhado tenebrosamente em Before I Wake e um tantinho em The Boy, 2016 está sendo muito agradável. Don't Breathe é mais um filme que merece ser apreciado até por quem não gosta muito do gênero: nos apresenta alguns sustos, violência, muita tensão, um vilão amedrontador e cenas muito bem construidas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Before I Wake

Direção: Mike Flanagan, 2016.
Before I Wake virou O Sono da Morte em sua tradução para o Brasil, e é mais um filme de terror que pode decepcionar muita gente. O longa conta a história de um casal, Jessie (Katie Bosworth) e Mark (Thomas Jane), que após perderem seu único filho, decidem adotar um garoto, Cody (Jacob Trembley). Esse garotinho possui um certo poder especial, que faz os seus sonhos, ou pesadelos, se tornarem reais, e mortais. Aos poucos, as coisas vão saindo do controle e é preciso saber mais sobre o passado de Cody para lidar com tudo isso.

O filme está sendo divulgado como terror, mas será que é isso mesmo? O roteiro possui algumas camadas bem dramáticas, mas o tom de fantasia gerado a partir do poder especial do garoto acaba possibilitando a realização de terror com jump scare ou cenas perturbadoras, o que eu achei bem interessante tentar mesclar esses tons de drama e terror no longa. Porém, mesmo gostando bastante do diretor Mike Flanagan (o mesmo de Oculus, 2013, e Hush, 2016), ele acaba deslizando em algumas coisas, principalmente no ato final. Fora isso, Mike conduz bem o projeto, acertando muito nas partes de terror e horror e na transição entre sonho e realidade. Ponto positivo para a maioria das cenas do "monstro" do filme, que embora alguns jump scares fossem bem óbvios, algumas coisinhas te agozinham um pouco. 

      O grande problema do filme está no ato final, mas não é apenas culpa do diretor. Existem outros profissionais que possam ter contribuído com isso, e creio que parte do elenco e dos roteiristas ajudaram bastante aqui. Para quem viu Room (2015) sabe que Jacob Trembley é um grande nome entre os atores infantis, e aqui ele não dá novamente um show porque o roteiro não ajuda em nada, e principalmente porque seus colegas de trabalho não tem expressão alguma. Katie e Thomas fazem um casal de luto, mas tão de luto que até os espectadores ficam tristes pela falta de carisma e sintonia dos dois. E o roteiro... Tem filmes que uma lição no final se encaixa bem, né? Aqui foi tudo por água abaixo. Alguém dormiu escrevendo os últimos minutos e matou o filme. Para quem viu The Babadook (2014), há no final uma mensagem muito interessante mas que deixa aberto a interpretações; já aqui tudo é muito bem explicado, como se o espectador fosse incapaz de compreender com a narrativa do filme, e a cada frase que alguém falava era uma revirada de olho. Acho que nos dez minutos finais eu acabei me expressando mais do que o casal principal. 

      (ALERTA SPOILER) No clímax, quando Cody está dormindo e tendo pesadelos, Jessie tem que enfrentar o monstro, chamado de Homem Cancro (que original). Antes de tudo isso, Jessie investiga o passado de Cody, cuja mãe morreu e gosta muito de borboletas, e nessa investigação ela descobre uma caixa com objetos da mãe, onde tem uma borboleta de pano. Enfim, Jessie leva essa borboleta consigo, e quando finalmente encontra o Homem Cancro, que tem uma aparência horrível, numa pele cor marrom esverdeada, careca, magro e com profundas olheiras, a moça entrega a digníssima borboleta de pano e abraça o monstro. Ainda no clímax, descobrimos que a mãe do Cody morreu de câncer (oooh!) quando ele era muito novo, e não consegue lembrar muito de sua aparência, mas em sua última visita ao hospital ela estava muito fraca, careca, magra e com olheiras. Pouco antes de acabar aparece o He-Man e diz que os verdadeiros monstros estão dentro da gente e precisamos lutar para vencê-los. A parte do He-Man é mentira, mas a mensagem é essa. Linda, mas não desceu para mim justamente por quebrar com o clímax do filme. 

      O Sono da Morte é um drama com tons de terror e fantasia que possui um clímax desastroso, com uma mensagem bonita mas num tom e no filme errado, e com um elenco lamentável, exceto Trembley. Possui um horror e terror bacanas, mas peca em tantas outras coisas que talvez não valha muito a pena.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Finding Dory

Direção: Andrew Stanton, 2016.
Dory, a peixe coadjuvante de Finding Nemo (2003) ganhou um filme solo, treze anos depois. Dessa vez, as aventuras de Finding Dory (2016) se passam um ano após os eventos do filme anterior, e Dory está vivendo tranquilamente no mesmo recife em que Marlin e Nemo, até que ela começa, remotamente, a lembrar de sua infância e seus pais, e resolve sair para procurá-los. A história é bem parecida com o primeiro filme? Com certeza. Mas ela funciona muito bem. Traz um roteiro bem amarrado, personagens secundários marcantes e divertidos e uma crítica à nossa sociedade à lá Pixar

Antes de todos os filmes da Pixar, há a exibição de um curta, e agora foi a vez de Piper, que conta a história de um pássaro filhote começando a descobrir o mundo sozinho, mas encontra um grande medo nas ondas do mar. É uma curta de superação, como a Disney/Pixar estão acostumadas a nos apresentar, mas além disso, Piper traz uma criação de mundo belíssima, com ricos detalhes, na penugem dos pássaros, na areia do mar, na água, no céu. No início do ano a Pixar lançou The Good Dinosaur, que apesar de não ter uma história muito boa pra contar, me espantou com a qualidade técnica da animação, muito por conta do aspecto da água no filme. Parece até que deixaram uma câmera da areia da praia e filmaram os pássaros e os detalhes da paisagem. 

Seguindo para Finding Dory, nós encontramos um ambiente muito familiar (para aqueles que viram Nemo, claro): o recife, os personagens, a rotina, etc. E volta e meia ele nos dá alguma referência ao longa de 2003, seja com uma aparição de personagem, alguma piada interna daquele filme, ou fatos que aconteceram nele e são explicados agora. O filme consegue introduzir uma nova história, com novos personagens, e ao mesmo tempo completar uma história anterior. Apesar disso, tudo continua muito familiar, e não apenas pelos personagens, mas sim pelas aventuras: atravessar o oceano, se perder, buscar ajuda, entrar em canos. O roteiro não arrisca em nada, fica em sua zona de conforto seguindo os passos do primeiro filme. Em relação aos personagens, além dos pais da Dory, nos são apresentados: Hank, um polvo; Destiny, uma tubarão-baleia; e Bailey, uma beluga. Todos os personagens são essenciais para o desfecho, e há pelo menos um que tem um arco muito interessante, e seria ótimo se a Pixar apostasse nele para fazer algo a mais.  

Novamente a Pixar critica a nossa sociedade, nos mostrando a visão das vítimas em prol da diversão do ser humano. Numa cena muito semelhante em outra do primeiro filme, vemos Dory e Hank tentando escapar de mãos de crianças, que se divertiam enquanto encostavam e pegavam em alguns peixes. Enquanto em cima da água o riso ecoava no ar, abaixo dela o pavor estampava a face dos animais. Vimos muito bem isso em Nemo (2003), onde barcos pesqueiros capturavam peixes, e a terrível Darla no dentista. Aqui o sentimento é dúbio, pois é apresentado para nós um local de recuperação de animais marinhos doentes, que são resgatados, recuperados e retornados ao mar, e ao mesmo tempo são explorados pela sua beleza e exoticidade. 

Procurando Dory não é a melhor continuação da Pixar, mas vale todo o tempo de exibição. Pixar retorna a sua zona de conforto, após apostar certeiramente no excelente Inside Out (2015), e erroneamente em The Good Dinosaur (2016). Divertido para os mais novos, e emocionante para os nem tão mais novos assim. 

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Nise: O Coração da Loucura

Direção: Roberto Berliner, 2016.
Nise da Silveira foi uma das primeiras mulheres brasileiras formada em Medicina, e iniciou uma revolução na psiquiatria brasileira e o tratamento com pacientes em hospitais psiquiátricos, e o filme conta um pedaço de sua história. O recorte dessa história que nos é apresentado aqui é de um período em que Nise volta a trabalhar em seu antigo hospital, só que em uma nova função, pois se recusou a utilizar em seu ofício alguns métodos de tortura para uma possível cura dos pacientes. A data é 1944, e o local é o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, mais precisamente no Engenho de Dentro – guardem esse nome. Nise é resignada para o setor de Terapia Ocupacional, onde os pacientes eram colocados para fazer as tarefas de funcionários do local, como limpeza e manutenção do ambiente. Observando todos os problemas dali, a nossa protagonista inicia uma revolução no tratamento dos pacientes.
            
A história dessa mulher é imensamente importante para o Brasil, e graças a muitas pessoas é que temos, hoje, um filme de alto nível para nos contar um pouco sobre ela. Vemos na ficção, tanto cinematográfica quanto literária, um crescimento muito grande de personagens femininas fortes, e é muito gratificantes observar a história de uma mulher real vir à tona nesse momento, e ser tratada com tamanho carinho. Se ano passado nós tivemos Que Horas Ela Volta? sendo um dos grandes filmes brasileiros, Nise: O Coração da Loucura não fica atrás não. O diretor traz uma simplicidade e uma delicadeza de Nise mesclada com a brutalidade dos hospitais psiquiátricos da época. O hospital (e o filme) é retratado como sujo, cinza e fúnebre até a chegada de Nise, que tenta trazer aos poucos um pouco de cor, luz e vida ao local.

            Na década de 1940, era muito comum o tratamento de pacientes em instituições psiquiátricas ser através da força, tortura, eletrochoques, etc. E o filme retrata isso muito bem, trazendo como vilões os médicos, homens, brancos, ricos, que se preocupam única e exclusivamente em dar alta para seus pacientes, sem se importar com os meios para chegar nisso. No início do filme temos uma cena em que um paciente é tratado com eletrochoques numa palestra, e Nise é a única pessoa que se incomoda com aquilo, que se sente mal em ver alguém ser torturado, enquanto os outros médicos, homens, brancos, ricos, acham o método muito inovador e eficiente. Os homens querem se livrar de seus pacientes o mais rápido possível, finalizando o seu procedimento com a lobotomia, e a mulher só queria que os pacientes fossem tratados como seres humanos, que apenas se comunicam de uma maneira diferente. Nise encontra na arte uma maneira de entender seus pacientes (ou clientes, como é colocado no longa), e seus clientes encontram na arte uma maneira de se comunicar com o mundo e reorganizar suas vidas. O hospital nos traz personagens secundários muito interessantes, artistas, pintores e mais do que isso, grandes pessoas que só precisavam de compreensão e compaixão.

            Nossa protagonista é interpretada pela excelente Glória Pires, que não surpreende, pois já é uma grande atriz, e novamente apresenta uma personagem forte, profissional e ao mesmo tempo carinhosa, humana. Nise foi real, seus clientes também, e as obras que eles deixaram vão além da realidade, partem para a irrealidade por conseguirem, após tanto sofrimento e invisibilidade, extrair de seu interior cores e traços que parte do caos completo até a pureza da natureza. Obras atemporais produzidas no Engenho de Dentro, não o hospital, mas sim o interior do ser, o coração em sintonia com o cérebro.

            Nise: O Coração da Loucura é um excelente filme que merece ser visto por todos. É delicado e brutal, mas vai além: é puramente humano. Trata do inconsciente humano, que é um tema extremamente complexo, de uma forma natural, compreensível. Nise da Silveira merece ser conhecida e reconhecida, sua história merece ser lida, e esperamos que esse longa converse com outras pessoas para revolucionar seus corações. 

terça-feira, 10 de maio de 2016

El Club De Los Incomprendidos

Direção: Carlos Sedes, 2014.
O Clube dos Incompreendidos é um filme espanhol que quer ser muita coisa e acaba não sendo. O longa conta a história de Valeria (Charlotte Vega), uma adolescente que, após o divorcio dos pais, se muda com sua mãe para Madrid, e tem que se adaptar a uma nova escola e novos colegas. Após alguns acontecimentos, Valeria acaba tendo que comparecer a um grupo de apoio da escola, onde estão mais cinco jovens, durante todo o resto do ano letivo. O filme se desenrola a partir disso: uma nova cidade para descobrir, novos amigos para conquistar e a busca de sua identidade e lugar no mundo.


O próprio título já faz referência a um clássico dos anos 80 de John Hughes, O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985), e o longa espanhol homenageia (ou imita) muito o original. Aqui são seis pessoas, mas ainda há o Clube, há os preconceitos a serem combatidos, as reuniões de (auto) conhecimento coletivo, e as amizades e romances inesperados. As cores do filme também lembram muito os anos 80, só que tudo mais limpo e atualizado para os anos 2010; mas a referência ainda é claríssima. As conversas e os próprios estereótipos são sugados dos Cinco e distribuídos nesse colégio em Madrid, perdendo certa originalidade espanhola, transformando o longa em uma versão de qualquer colegial norte-americano.


            Incompreendidos... lembra outra palavra de um filme colegial de sucesso: invisíveis. As Vantagens De Ser Invisível (The Perks of Being a Wallfower, 2012) aborda vários temas similares ao Clube dos Cinco, mas atualizado para uma nova geração com outro tom. O Incomprendidos não sabe ao certo qual é seu tom, e muito menos qual história quer contar. Há momentos que o longa foca na amizade do Clube, outros em um romance adolescente que parece um longo vídeo clipe, e outros em assuntos que permeiam vários filmes colegiais. Tendo como referência esses dois grandes longas, o filme espanhol acaba se perdendo no roteiro e no tom do filme, com pouca originalidade e muito pouco aprofundamento em questões importantíssimas que só vem à tona no final. (ALERTA SPOILER) Depois de muito romance adolescente, brigas bobas e pouca originalidade, no fim há uma fagulha de esperança quando há um beijo entre duas garotas, porém aquilo cai de paraquedas no filme e morre ali mesmo, não há conversa sobre aquilo e foi como se nunca tivesse acontecido. Outro assunto que o longa joga na cara e não aprofunda é sobre esquizofrenia, quando no final do filme nos é mostrado isso, mas também a conversa que segue é muito genérica parece não haver peso para a história.


            Certamente o diretor fez escolhas erradas ao conduzir as histórias que se entrelaçam e querer apresentar personagens demais. Incomprendidos é algo que poderia ser muito maior, mas acaba nadando nos mesmos assuntos sem trazer nada novo. Reflexões sobre amizade, mudanças, bullying, pressão familiar, preconceitos e tudo o que esse período conturbado que é a adolescência nos proporciona são vazias. Infelizmente, perderam uma chance de atualizar o Clube e conversar com uma nova geração de adolescentes que se sentem incompreendidos pela sociedade.

domingo, 17 de abril de 2016

10 Cloverfield Lane

Direção: Dan Trachtenberg, 2016.
Rua Cloverfield, 10, ou 10 Cloverfield Lane, é o novo filme do produtor J. J. Abrams (diretor de Star Wars: Episode VII – The Force Awekens, e também produtor do próprio Cloverfield de 2008), e nos mostra o mesmo universo do primeiro Cloverfield, mas com um ponto de vista bem diferente do anterior. A produção do filme foi bem sigilosa, e o próprio longa só começou a ser realmente divulgado quando saíram os trailers no cinema no início desse ano, muito similar ao que aconteceu no primeiro – e deu certo. Por ter um ponto de vista bem diferente do primeiro, Rua Cloverfield, 10, não pode ser comparado ao anterior, pois enquanto o de 2008 nos trouxe uma visão de horror e destruição apocalíptica, o novo nos traz um olhar de confinamento e de sobrevivência. Sua história, sem revelar muita coisa, é simples: ocorreram alguns ataques nos Estados Unidos da América que deixaram locais sem energia, mas nada muito alarmante ainda, e Michelle (Mary Elizabeth Winstead), após brigar com seu namorado, sai com seu carro e sofre um grave acidente na estrada, mas em seguida ela acorda em um bunker com outros dois homens lhe dizendo que a Terra foi atacada e a radiação que está no ar acima deles é letal, então terão que ficar pelo tempo que for necessário até a superfície terrestre estar segura novamente.

Dan Trachtenberg traz seu primeiro trabalho como diretor de longa-metragem aqui, e isso é uma grande surpresa visto a qualidade do filme. Por trabalhar com atores mais experientes, como John Goodman, poderia ter sido um trabalho extremamente caótico, mas aqui ele nos traz uma narrativa coesa, e que nos surpreende em alguns pontos. Assim como Room, esse longa é extremamente claustrofóbico – a luz do sol aparece pouquíssimas vezes mesmo! A trilha sonora auxilia esse tom de claustrofobia, quando por vezes não há som algum, só a contemplação daquele local pequeno e fechado. Aliás, a trilha sonora é outro ponto positivo, pois mesmo estando naquele contexto terrível, há alguns momentos “família” em que a música ajuda a aliviar a tensão, e até nos diverte.

            Partindo para a narrativa do filme, há uma dualidade muito grande que nos faz esperar dois possíveis finais para o filme (mais à frente pretendo comentar, com spoiler). Essa dualidade está presente não apenas na narrativa, mas muito, e principalmente, no personagem de Goodman. Foi ele que teve a ideia de construir um bunker anos atrás, e fissurado por teorias da conspiração e sobrevivência pós-apocalíptica, teve algumas perdas em sua vida por isso. Ao decorrer do filme, descobrimos outras facetas desse homem, o que põe em dúvida toda a ideia de ataque, de sobrevivência e em tudo o que eles estão vivendo lá dentro. Assim como em The Witch, por vezes o filme toma partido de um lado da história, mas logo em seguida vira o jogo e o espectador fica com uma dúvida cada vez maior.

            Se tivessem tirado algumas cenas no corte final, o longa poderia ter qualquer nome que não envolvesse Cloverfield, e ainda assim funcionaria muito bem. Como eu disse anteriormente, é outro ponto de vista desse ataque à Terra, e isso abre esse Universo Cloverfield para ser explorado em diversas ocasiões, com um mesmo pano de fundo, e em diversos gêneros cinematográficos. Mas o filme é desse Universo Cloverfield, e o diretor tem que tomar partido em suas escolhas para finalizar o projeto. (ALERTA SPOILER) Enquanto nós ficamos em dúvida entre a certeza de Goodman sobre o grande ataque, Michelle também fica, e em certo momento do filme a, digamos, curiosidade dela é maior, e após algumas tentativas ela consegue sair do bunker. Para sua infelicidade, ela descobre que Goodman estava certo, que houve ataques e que havia um gás que matava os seres humanos. Isso já no ato final, mas que é muito bem executado, como em The Witch, e também dividiu opiniões por esse final. Se Michelle tivesse saído do bunker e descoberto que não houvera ataque algum e que Goodman era um psicopata, seria um ótimo final, mas o filme tem Cloverfield no nome, então em certo momento tem que haver uma ligação, não é? Aí que surge também a explicação do título do longa: Rua Cloverfield, 10, é o endereço da casa de Goodman, onde abaixo dela está o bunker. Então, assim, poderia não haver o final com o ataque apocalíptico, mas temos J. J. Abrams na produção, que acarretou nessa escolha para o final do filme. Ainda assim, o final não é bem fechado, no sentido de abrir possibilidade para uma continuação, que é interessante, mas um pouco clichê (aliás, me lembrou de A 5 Onda, que não é algo positivo).

            Rua Cloverfield, 10, é um filme seguro, e ao mesmo tempo ousado; é Cloverfield, mas poderia não ser. Abre novos horizontes para o Universo Cloverfield, que pode ser muito bem aproveitado. Não inova o gênero de suspense e terror psicológico, e tampouco o de sobrevivência pós-apocalíptica, mas é muito interessante e bem executado. Tem um ritmo bom, não chega a cansar o expectador, e vale a pena conferir no cinema ou em casa.

terça-feira, 22 de março de 2016

The Witch

Direção: Robert Eggers, 2015.
The Witch, ou A Bruxa, conta a história de uma família que é expulsa da vila onde moram, e acabam tendo que viver ao redor de uma floresta misteriosa. A trama se passa por volta de 1600, em uma região da Inglaterra, numa época onde várias pessoas acreditavam que Deus ainda era o centro do universo, e o fanatismo religioso predominava em parte do globo. Nesse vilarejo na Inglaterra não era diferente. A família em questão é expulsa de sua comunidade por motivos religiosos, e ainda e principalmente após alguns acontecimentos em seu novo lar, a religiosidade e a palavra de Deus falam mais alto que o próprio sangue e as relações familiares. 

Esse é o primeiro longa do diretor Robert Eggers, e ele conduz muito bem o suspense e a tensão do filme, além de sugar muito o talento do seu elenco; é um nome a ser observado. É um filme de gênero e de época, mas ao mesmo tempo nem um pouco genérico. Com uma enxurrada de filmes de terror que temos atualmente, The Witch é um suspiro de filmes que constroem uma tensão em cada cena, como The Shining (1980), por exemplo. Há várias cenas em que poderia haver grandes sustos e jump scares, mas o diretor optou por não mostrar isso, e com uma trilha sonora angustiante e takes de pura tensão é criado um clima de horror em nossas mentes, e em seguida a cena é cortada. O filme não mostra demais, nem menos, mostra numa exatidão para cada um compreender o filme da sua maneira, e não de uma maneira geral e genérica, porque quem dá sentido ao filme é quem os assiste. Então, se quiser ver um filme com grandes sustos no estilo The Blair Witch Project (1999) e The Conjuring (2013), esse não é um filme para você. Mas se você curtiu The Babadook (2014), The Gift (2015) e Goodnight Mommy (2015), The Witch merece ser visto sim.

Falando em cenas e takes, gostaria de destacar dois takes que me marcaram; um pela beleza e outro pela angústia. O primeiro envolve uma lua cheia e a silhueta de uma pessoa no centro, belíssimo, sem excesso; e o segundo envolve uma mulher e um corvo, com uma tensão criada anteriormente, esse take choca muito e dói. Aqui a filmagem é quase que exclusivamente feita com luz do sol ou de velas, o que aumenta o suspense, por não mostrar com exatidão algumas imagens. Ainda sobre, de certa forma, o visual do filme, é preciso observar a fotografia e figurino que estão impecáveis. A fotografia com a luz natural funciona muito bem, pois o filme se passa em alguma região da Inglaterra, e aqui no filme o sol não aparece; quando é dia está muito nublado, com uma iluminação fraca, aumentando a infelicidade e isolamento da família, onde é sempre cinza, e quando é noite, há apenas a luz das velas mostrando o pouco que nos é necessário para a construção do filme.

Não posso deixar de lado as atuações. A família é composta por seis pessoas, o pai (Ralph Ineson), a mãe (Kate Dickie), a filha mais velha (Anya Taylor-Joy), o filho do meio (Harvey Scrimshaw) e os gêmeos (Ellie Grainger e Lucas Dawson). Temos aqui dois atores experientes, uma jovem pupila e três crianças. Parece que quanto mais eu friso o quanto é difícil trabalhar com crianças, mais eu queimo a língua. No início do filme, achei o personagem do Harvey muito ruim, mas há uma cena em que ele está deitado onde ele dá um show de atuação para a sua idade, e os gêmeos são pouco aproveitados no início do filme, mas há uma cena em especial que a personagem da Ellie tem um destaque maior onde se consegue ver um talento a ser cultivado, e já para o final, os gêmeos tem uma ótima sintonia e funcionam muito bem como uma dupla. Mas o destaque fica realmente para Anya, que conduz o filme com uma ingenuidade mesclada com uma malícia em certos aspectos, uma bondade que por vezes é corrompida, mas tenta se redimir depois muito por conta da religião e seus pecados. Por ter um elenco tão jovem e atuando tão bem, creio o diretor tenha um dedo importante aí.

Mas é claro que o filme tem suas infelicidades. Por tratar de um tema envolvendo o fanatismo religioso, grande parte dos diálogos envolvem Deus, a Bíblia e suas passagens, e isso me incomodou um pouco, mesmo sabendo que faz parte do contexto em que o filme se passa. Há ainda a cena final que incomodou muita gente. Particularmente eu gostei, pois há uma grande margem interpretativa aqui, e refletindo algum tempo depois eu passei a gostar mais. (ALERTA SPOILER) No final, a personagem da Anya acaba matando sua mãe, sendo a última da família a sobreviver (supostamente), e esgotada, ela senta em uma cadeira e apoia sua cabeça sobre a mesa, provavelmente cochilando, e há um corte de alguns segundos. Se o filme acabasse assim, seria ótimo. Porém, ele continua em uma sequência onde a mesma acorda e se vende para o mal, fazendo parte de um ritual de bruxaria. Eu interpretei esse último final como um sonho (ou pesadelo) dela, e que o filme realmente terminou quando ela descansou então o ritual não passaria de mera imaginação. Por outro lado, a cena da venda dela para o mal, onde o bode interage com ela e o ritual todo, eu achei extremamente bem feitas e angustiantes.

A Bruxa, ou The Witch, não é um filme para todo mundo. Há uma enorme tensão do início ao fim que é construída a partir da escolha do diretor do que mostrar nas cenas em conjunto com a trilha sonora. Com atuações impecáveis, um figurino e fotografia excelentes, é um longa a ser observado e contemplado por seus vários pontos positivos, pecando em poucos aspectos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Deadpool

Direção: Tim Miller, 2016.
Hilário talvez seja um adjetivo pequeno para esse filme. Um dos filmes mais aguardados de 2016 não é apenas um filme de super-herói. Aliás, seria Deadpool um super-herói? Nas palavras do próprio, não, mas para questões de rótulo sim. Ainda assim, não é só mais um filme de super-herói que Tim Miller nos apresenta. Deadpool é o primeiro filme deste personagem do Universo Marvel, que nos mostra a origem de seus poderes e suas intenções, assim como seu núcleo de relacionamento. Wade Wilson é um rapaz que descobre que tem câncer em vários lugares no corpo e pode morrer logo, até que um desconhecido entra em contato com Wilson e lhe oferece a cura desta doença, mas para isso ele passaria por uma experiência que lhe tornaria, talvez, um super-herói. Assim temos o filme de origem do Deadpool, e talvez o melhor da Marvel.

Esse é o primeiro longa de Tim Miller como diretor, e ele nos surpreende com uma colcha de retalhos com ótimas referências, grandes cenas de ação, e um Ryan Reynolds certeiro. Aos poucos você percebe algumas inspirações para Deadpool, como Kick-Ass (2010), com uma pegada de Guardians Of The Galaxy (2014), e várias referências da cultura pop como Star Wars e Adventure Time. O destaque cômico fica, é claro, para Deadpool, personagem de Ryan Reynolds, que brinca com o Universo Marvel, principalmente os X-Men, e com a própria carreira do ator, conhecido por participar de alguns filmes de super-heróis. Deadpool quebra constantemente a quarta parede, contando a sua história para o público e fazendo piadas, que funciona muito bem para este filme. O longa nos apresenta vilões caricaturescos, porém engraçados também, como o britânico e o russo malvados. É interessante observar o contraste entre Deadpool e Colossus (um gigante de aço), onde Deadpool utiliza todo o seu potencial sarcástico e tagarela, enquanto Colossus, sendo gigante e extremamente forte aparenta ter um perfil ingênuo e bondoso.

Aqui no Brasil, o filme recebeu a classificação para maiores de 16 anos, enquanto nos Estados Unidos a classificação “R”, proibido para menores de 18 anos. Essa classificação deve-se muito ao linguajar, as referências sexuais e a violência, porém não é tão pesado assim. Infelizmente o filme conta com algumas piadas machistas e homofóbicas que me incomodaram um pouco, mas por ter uma piada atrás da outra o filme não nos dá tanto tempo pra problematizar na hora. A tradução para o Brasil ficou legal até, mas com umas partes bregas, como a tradução de “ass” para “fiofó”, e algumas piadas intraduzíveis que só fazem sentido nos Estados Unidos mesmo. 

O ponto principal do filme é o humor. Mas não é só disso que Deadpool é feito. O longa conta com algumas cenas de ação bem bacanas, alguns cortes rápidos e câmera tremida que incomodam um pouco, mas em compensação tem algumas câmeras super lentas com aquela sacada de Deadpool que nos faz rir nas situações mais inusitadas. O romance do filme também é bem interessante, os atores tem uma sintonia muito boa e quando estão em tela nos fazem rir e abraçar esse relacionamento ao mesmo tempo. Deadpool quebra alguns paradigmas com algumas cenas sexuais não tradicionais para a sociedade heteronormativa em que vivemos, porém em seguida solta alguma frase machista que nos faz quebrar o encanto pelo personagem, durante um breve momento, pois o roteiro parece pequeno para tanta piada. Queria destacar ainda a cena inicial, uma super câmera lenta numa cena de ação com várias referências que nos fazem rir, abrindo o filme com chave de ouro. E também temos nesse longa, talvez, a melhor aparição de Stan Lee em filmes da Marvel.


Enfim, Deadpool talvez não seja o filme ideal para todas as idades, mas para aqueles jovens adolescentes que estão inseridos nesse mundo de heróis desde o primeiro X-Men do Bryan Singer em 2000, é uma aposta certeira de diversão com os amigos. 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Oscar 2016: Melhor Diretor

           O Oscar 2016 está chegando, e com ele veio várias polêmicas, principalmente a questão racial na Academia e na indústria cinematográfica norte americana. Mas isso talvez seja assunto para outra discussão, porque é muito mais profundo, envolve muitas coisas que vão além do Cinema. Agora, gostaria de escrever sobre o prêmio de melhor diretor para esse Oscar: os indicados, o trabalho que eles realizaram e a minha aposta.

Começamos por Alejandro G. Iñárritu, com seu longa The Revenant, onde mais uma vez ele nos mostra que está muito afim de receber o prêmio. Vencedor do Oscar de 2015 com Birdman, esse ano ele nos apresenta novamente a alguns planos sequências muito bem elaborados, especialmente um no início do filme envolvendo uma batalha, e, além disso, o longa é tecnicamente muito bem feito, não sendo mérito total do diretor, mas sim de todos que o cercam e estão envolvidos na produção. O trabalho com os atores aqui é muito bem feito, novamente, especialmente com Leonardo DiCaprio, que de uns anos pra cá parece que não está mais fazendo filme atoa, mas sim demonstra todo o seu potencial de atuação quando o mesmo é bem dirigido.


Seguindo o nível grandioso de Iñárritu com The Revenant, temos George Miller com Mad Max: Fury Road. O adjetivo grandioso aqui se refere apenas para as questões de uso do CGI, maquiagem e planos abertos, não dando o sentido de ser melhor que os outros filmes, que são mais simples, porém contém uma grandiosidade singular. No mais novo Mad Max, George Miller comanda novamente um futuro distópico, conseguindo mesclar muito bem o CGI com efeitos práticos, o que nos leva a crer em tudo aquilo por mais irreal que pareça. Assim como The Revenant, Mad Max também é tecnicamente muito bem feito, a fotografia, maquiagem e a mixagem de som são excelentes. Mas temos aqui um filme de gênero, um filme de ação, no Oscar. Temos aqui um filme que foi lançado há quase um ano e as pessoas continuam falando dele, e muito bem. Um filme com uma personagem feminina muito forte, quebrando estereótipos, até da própria indústria. Ou seja, um filme de ação de uma franquia clássica dos anos 80, com uma protagonista mulher, lançado há quase um ano, e foi lembrado para essa premiação que tem fama de ser extremamente conservadora. Isso só nos mostra a grandiosidade (em todos os sentidos) deste filme, que trouxe uma nova face para um dos gêneros mais populares do cinema, e que certamente será lembrado por vários anos.


Uma das surpresas deste Oscar é Lenny Abrahamson com The Room, que é um filme que teve pouca divulgação e acabou ganhando a todos com sua qualidade. The Room é, talvez, o menor filme nesta categoria (no sentido de orçamento e bilheteria), mas nem por isso deve ser desmerecido. Abrahamson nos conta uma história extremamente delicada e difícil de ser digerida pelo público, comandando muito bem os seus atores, destacando Jacob Tremblay de apenas 9 anos que dá um show nesse longa. A construção do Quarto também é ótima, parecendo que o mesmo tem vida e é um dos personagens da história, além de ser extremamente claustrofóbico. É um dos diretores que muitas pessoas falam que entrou pela “cota” do Oscar, por ser irlandês e pouco conhecido (seu outro trabalho é Frank (2014), mas que já mostra uma autoria do diretor).


Para você que viu Anchorman: The Legend of Ron Burgundy (2004) e The Other Guys (2010), talvez note algumas peculiaridades de Adam McKay em The Big Short. O longa, pela sua sinopse parece não ser muito envolvente, e até tedioso e chato, e o que Adam McKay faz aqui não tem nada disso. The Big Short conta com ótimos atores, como Steve Carrel e Christian Bale, que interpretam personagens reais envolvidos com a bolsa de valores, Wall Street, investimentos e todo esse mundo das finanças que a grande maioria das pessoas não entende nada. O trunfo para não deixar o filme entediante está no roteiro bem humorado, na montagem e nas atuações. Há algumas cenas onde aparecem algumas pessoas conhecidas na cultura pop, como Margot Robbie e Selena Gomez para nos explicar alguns termos essenciais para o filme, e também existe a constante quebra da quarta parede pelo narrador da história, e que dá um tom cômico e agradável ao longa.


A simplicidade muito bem feita, tal qual os dois longas anteriores, há em Spotlight de Tom McCarthy. Novamente, pela sinopse pode parecer um filme tedioso e chato, mas extremamente pesado pela sua temática (investigação de pedofilia na Igreja Católica). Ao contrário de The Big Short, o longa não conta com alívios cômicos, mas sim há uma extrema tensão ao decorrer dessa investigação. É um roteiro muito bem trabalhado que não cansa o expectador e ao mesmo tempo não o entedia, o que dá um ótimo material para os atores, que estão excelentes; é, talvez, a melhor equipe de atuação do Oscar. McCarthy nos mostra como fazer um filme investigativo de ótima qualidade, digno de ser lembrado por muitos anos e com certeza uma referência no subgênero jornalístico.





           São esses cinco diretores que compõe a categoria de Melhor Diretor no Oscar de 2016. Como menção honrosa, gostaria de citar também os incríveis Quentin Tarantino por The Hateful Eight, Ryan Coogler por Creed, Danny Boyle por Steve Jobs e Todd Haynes por Carol. Para levar a estatueta deste ano para casa, eu gostaria muito que George Miller fosse premiado, e creio que será, pois o que mais se aproxima aqui é Alejandro G. Iñárritu, porém é necessário observar que o mesmo levou a estatueta ano passado também, então penso que academia não se curvaria a um diretor mexicano premiando-o dois anos seguidos. Ao mesmo tempo, não seria impressionante se Tom McCarthy ou Adam McKay vencesse, um pouco decepcionante talvez. Infelizmente, o que mais está distante é o irlandês Lenny Abrahamsom, mas que ainda faz um ótimo trabalho. Fica aqui então a torcida por George Miller, e a diversidade no Oscar.