quarta-feira, 26 de abril de 2017

Central

Documentário. Dirigido por Tatiana Sager, 2017.
Um documentário brasileiro dirigido por uma mulher,  que relata um pouco da vivência dos detentos do presídio Central, em Porto Alegre, e do complexo esquema que é mantido para ele ficar de pé.
Importante para caralho, o documentário traz uma mescla de Carandiru (2003), Tropa de Elite (2007) e alguns traços de Orange Is The New Black (2013-), mas com entrevistas reais de promotores, juízes, ex-detentos e policiais que lá trabalham. Enquanto as outras obras citadas são ficções baseadas numa realidade, Central, sendo um documentário, tem outro propósito: tem um compromisso maior com a realidade. Aqui já caberia um debate sobre o que é a verdade, a realidade, se ela existe, ou o que existe são apenas fragmentos de histórias.... Enfim, as entrevistas e imagens de dentro do presídio, de forma documental, corroboram com a realidade (ou parte dela) do Central.
Há quase dez anos o presídio foi considerado como o pior do Brasil pela CPI do Sistema Carcerário, e agora, 2017, após um começo de ano turbulento por conta por conta das rebeliões em presídios pelo Brasil, esse documentário é lançado, nos mostrando um pouco do contexto em que essas rebeliões aconteceram. Não é esse o propósito dele, mas dá para fazer essa ponte claramente.
Com as entrevistas, o documentário traz várias reflexões para nós, que já são feita por alguns, mas outros ainda não enxergam outras visões de mundo. Do início ao fim, Central nos é apresentado como um local para abrigar o que a sociedade rejeitou, um local de exclusão dos pobres, pois jamais uma pessoa rica, de bens e posses, ficou encarcerada lá dentro (vide depoimento de um teólogo). Porém, essas pessoas são fruto dessa mesma sociedade que os rejeita, e algumas pessoas não enxergam ou ignoram isso.
Em várias partes do documentário é falado que nenhum preso que entra ali sai para se ressocializar com o mundo: uns vão para a internação pelo uso de drogas, alguns tentam encontrar um emprego, mas encontram dificuldade em serem aceitos por carregarem o sobrenome “Ex-Detento”, e outros ainda voltam direto para o crime, pois possuem dívidas com as facções criminosas do Central.
É de conhecimento geral, por meio de investigações e relatos, que o crime organizado no Brasil possui esquemas e acordos com o Estado, ou com os agentes que o servem, como a polícia. Aqui no documentário, essa informação só é negada pelos próprios policias, pois se confessassem eles estariam sendo cúmplices do crime organizado. E é assim que o Central funciona, com as facções agindo dentro e fora dele, e a polícia servindo ao Estado e ao Crime (deixando entrar dinheiro, celulares, drogas.... quando lhes convém).
Detentos que vivem como lixo humano, expostos ao esgoto, com alimentação inadequada e falta de espaço físico: um presídio que era para comportar menos de dois mil homens, possui quase cinco mil ao todo. Com falta de verba do governo para a manutenção do Central, para comida e equipes de saúde, as facções dão o seu jeito de conseguir alimento e a própria segurança de seus membros.
O Central ficou bem conhecido no Brasil na década de 1990, por conta de inúmeras fugas e rebeliões que ocorreram nele, tendo até um trecho de uma rebelião com reféns no documentário, que chega a ser assustador quando estamos acostumados com cenas daquelas apenas na ficção. Anos depois, as rebeliões, fugas, mortes e torturas dentro do presídio diminuíram drasticamente por conta de acordos feitos entre as facções. Contudo, as mesmas facções que comandam as ruas estão no Central também, e as dívidas adquiridas dentro dele serão cobradas lá fora, para não “chamar muita atenção” da população e das autoridades para dentro do presídio.
São informações que muitos já conhecem, vindas muitas vezes da ficção, como as obras citadas no início, e que aqui ganham muito peso por estarem sendo corroboradas com relatos e testemunhos de quem vivencia ou vivenciou um pouco daquela realidade. Além dessas que abordei, o documentário traz muito mais sobre o dia a dia dos seis pavilhões que compõe o presídio, e as conexões das facções do Central nas ruas e no próprio presídio.

Central é sobre um único presídio, mas que tem muito em comum com o Brasil todo. Gostaria ainda de deixar uma frase que finaliza o documentário: Só os fortes sobrevivem, pros fracos não dá tempo.