Documentário. Dirigido por Tatiana Sager, 2017. |
Um documentário brasileiro dirigido por uma mulher, que relata um pouco da vivência dos detentos
do presídio Central, em Porto Alegre, e do complexo esquema que é mantido para
ele ficar de pé.
Importante
para caralho, o documentário traz uma mescla de Carandiru (2003), Tropa de
Elite (2007) e alguns traços de Orange Is The New Black (2013-), mas com
entrevistas reais de promotores, juízes, ex-detentos e policiais que lá
trabalham. Enquanto as outras obras citadas são ficções baseadas numa
realidade, Central, sendo um documentário, tem outro propósito: tem um compromisso
maior com a realidade. Aqui já caberia um debate sobre o que é a verdade, a
realidade, se ela existe, ou o que existe são apenas fragmentos de histórias....
Enfim, as entrevistas e imagens de dentro do presídio, de forma documental, corroboram
com a realidade (ou parte dela) do Central.
Há quase
dez anos o presídio foi considerado como o pior do Brasil pela CPI do Sistema
Carcerário, e agora, 2017, após um começo de ano turbulento por conta por conta
das rebeliões em presídios pelo Brasil, esse documentário é lançado, nos
mostrando um pouco do contexto em que essas rebeliões aconteceram. Não é esse o
propósito dele, mas dá para fazer essa ponte claramente.
Com as entrevistas, o documentário traz várias
reflexões para nós, que já são feita por alguns, mas outros ainda não enxergam
outras visões de mundo. Do início ao fim, Central nos é apresentado como um
local para abrigar o que a sociedade rejeitou, um local de exclusão dos pobres,
pois jamais uma pessoa rica, de bens e posses, ficou encarcerada lá dentro
(vide depoimento de um teólogo). Porém, essas pessoas são fruto dessa mesma
sociedade que os rejeita, e algumas pessoas não enxergam ou ignoram isso.
Em várias partes do documentário é falado que
nenhum preso que entra ali sai para se ressocializar com o mundo: uns vão para
a internação pelo uso de drogas, alguns tentam encontrar um emprego, mas
encontram dificuldade em serem aceitos por carregarem o sobrenome “Ex-Detento”,
e outros ainda voltam direto para o crime, pois possuem dívidas com as facções
criminosas do Central.
É de conhecimento geral, por meio de
investigações e relatos, que o crime organizado no Brasil possui esquemas e
acordos com o Estado, ou com os agentes que o servem, como a polícia. Aqui no
documentário, essa informação só é negada pelos próprios policias, pois se
confessassem eles estariam sendo cúmplices do crime organizado. E é assim que o
Central funciona, com as facções agindo dentro e fora dele, e a polícia
servindo ao Estado e ao Crime (deixando entrar dinheiro, celulares, drogas....
quando lhes convém).
Detentos que vivem como lixo humano, expostos
ao esgoto, com alimentação inadequada e falta de espaço físico: um presídio que
era para comportar menos de dois mil homens, possui quase cinco mil ao todo.
Com falta de verba do governo para a manutenção do Central, para comida e
equipes de saúde, as facções dão o seu jeito de conseguir alimento e a própria
segurança de seus membros.
O Central ficou bem conhecido no Brasil na
década de 1990, por conta de inúmeras fugas e rebeliões que ocorreram nele,
tendo até um trecho de uma rebelião com reféns no documentário, que chega a ser
assustador quando estamos acostumados com cenas daquelas apenas na ficção. Anos
depois, as rebeliões, fugas, mortes e torturas dentro do presídio diminuíram
drasticamente por conta de acordos feitos entre as facções. Contudo, as mesmas
facções que comandam as ruas estão no Central também, e as dívidas adquiridas
dentro dele serão cobradas lá fora, para não “chamar muita atenção” da
população e das autoridades para dentro do presídio.
São informações que muitos já conhecem, vindas
muitas vezes da ficção, como as obras citadas no início, e que aqui ganham
muito peso por estarem sendo corroboradas com relatos e testemunhos de quem
vivencia ou vivenciou um pouco daquela realidade. Além dessas que abordei, o
documentário traz muito mais sobre o dia a dia dos seis pavilhões que compõe o
presídio, e as conexões das facções do Central nas ruas e no próprio presídio.
Central é sobre um único presídio, mas que tem
muito em comum com o Brasil todo. Gostaria ainda de deixar uma frase que
finaliza o documentário: Só os fortes sobrevivem, pros fracos não dá tempo.