quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Lua em Sagitário

Direção: Marcia Paraiso, 2016.
Lua em Sagitário é um filme que pode incomodar muita gente, mas não pelos mesmos motivos. Esse longa nacional conta a história de dois jovens que vivem na divisa de Santa Catarina com a Argentina, mais precisamente na região de Princesa, uma cidade do interior, pequena, onde todos se conhecem e não pega muito bem o sinal de celular e internet. Os jovens são Ana (Manuela Campagna) e Murilo (Fagundes Emanuel), que se conhecem na Caverna, um estabelecimento regido por um argentino amante de rock e com muita história para contar. A Carverna é um misto de lan house e sebo de discos e livros, um espaço que serve como refugio para os adolescentes, também amantes de rock. A história mescla entre um romance adolescente e um road movie, pois Ana e Murilo se apaixonam, e num certo momento resolvem viajar de moto de Princesa até Florianópolis, a fim de chegar ao evento musical Psicodália, que acontece no norte catarinense.  


      A direção do filme é de Marcia Paraiso, que tem em sua carreira alguns documentários contam com estado catarinense como plano de fundo, como o Terra Cabocla (2015), que aborda a Guerra do Contestado (1912 - 1916), e que há uma profunda ligação com Lua em Sagitário. No longa de 2016, o personagem de Murilo vive num assentamento do Movimento dos Trabalhores Rurais Sem Terra (MST), e frequenta a cidade de Princesa por conta da Caverna, e lá conhece Ana, por quem se apaixona. A Guerra do Contestado foi uma luta por terras, assim como a luta do MST atualmente (não apenas por isso, mas há ai uma ligação nos trabalhos da diretora). 


      Infelizmente o filme conta com vários problemas, e o principal deles é o elenco. Em muitos longas, às vezes um ator pode salvar um filme, mas aqui não há ninguém qualificado para isso. Campagna e Emanuel são atores jovens, que não tem muito o que nos oferecer ainda, e por várias vezes nos deixam com um ar de que estamos vendo algum capítulo de Malhação, porém, em uma ou duas cenas Campagna se destaca um pouco mais e nos encanta. O roteiro também poderia se aprofundar em muitos temas, mas acaba focando no romance dos dois (que talvez seja uma escolha da direção até), e mesmo assim há vários diálogos bobos e desnecessários, mais uma vez dignos de Malhação. O filme conta também com Jean Pierre Noher no papel de LP, o dono da Caverna, que cumpre muito bem o seu papel de roqueiro old school e mentor dos jovens. Há também a participação de Serguei e Elke Maravilha - esta em seu último papel na carreira. 


      A trilha sonora de Lua em Sagitário pode incomodar também. Parece que pegaram uma playlist de músicas nacionais indie-hipster e um pouco de rock argentino, como O Teatro Mágico, Mallu Magalhães, A Banda Mais Bonita da Cidade, Tulipa Ruiz e El Mato A Un Policia Motorizado. No fim das contas, algumas músicas acabam casando bem com as cenas, como a Canção da Terra do Teatro Mágico, que toca quando estão num assentamento do MST (O latifundío é feito um inço que precisa acabar, romper as cercas da ignorância que produz a intolerância, terra é de quem plantar), e Só Sei Dançar Com Você da Tulipa Ruiz, que toca quando estão transando (Só sei dançar com você, isso é o que o amor faz)
  
      Mas o que mais pode incomodar as pessoas é a mensagem que o filme traz. Princesa é uma cidade pequena, na qual a maioria das pessoas é religiosa, todos se conhecem, e perto dela há um assentamento do MST, onde existem várias famílias que trabalham em conjunto, plantam, produzem artesanato, estudam e se divertem como qualquer pessoa, e vendem seus produtos para regiões próximas. A família de Ana possui um pequeno comércio em Princesa, pelo qual batalhou muito para conseguir, e o patriarca compartilha a opinião de muitas pessoas no Brasil: MST é tudo vagabundo que vivem as custas do governo, não querem saber de trabalhar. O longa não mostra muito do convívio no assentamento, porque não é o foco, mas do pouco que mostra também não romantiza o MST, apenas nos faz ver que são pessoas como todos nós, que trabalham para sobreviver mas de modo diferente, e que não comem criancinhas. Além disso, o filme conta com alguns diálogos sobre a classe média brasileira que se acha elite a vomita o preconceito que a elite tem com os pobres, e isso incomoda muita gente.  


      Lua em Sagitário tem um nome que não precisava (só na última cena nos é revelado o porquê do título, mas não convence muito), e pode incomodar muita gente, ou pelo elenco, ou pela trilha sonora, ou pela mensagem crítica. É também um filme que poderia ser muito mais do que foi, se tivesse um orçamento maior e não um apelo ao público adolescente. Ainda assim, é importante haver longas com uma reflexão social e que tente conversar com os jovens.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Don't Breathe

Direção: Fede Alvarez, 2016.
A tradução brasileira às vezes pode acabar com um filme ótimo. Poderia ter sido dessa vez, mas foi só mais uma tradução de título bosta. Don't Breathe poderia ter sido traduzido ao pé da letra que faria todo o sentido, mas O Homem nas Trevas é tão clichê que dá mais público, acontece. É mais um ótimo terror de 2016, tenso e violento, que não subestima o espectador e até nos surpreende com cenas tecnicamente bem feitas. 

O longa conta a história de três jovens que vivem em Detroit, cidade norte americana que declarou falência anos atrás (fato que por coincidência ou não torna a trama mais real), e ganham a vida realizando pequenos furtos em casas asseguradas pela seguradora do pai de um deles. Grande parte das pessoas da cidade foram embora dela, deixando-a com uma aparência de "cidade fantasma", o que de certa forma facilitava para eles na execução dos furtos. Porém, o pouco que levavam não era o suficiente para seus sonhos (como mudar de cidade), e após receberem a informação de haver cerca de 300 mil dólares na casa de um ex soldado cego , resolvem investir nele como se fosse o último furto de suas vidas.


      Sam Raimi (Evil Dead, 1981) resolveu apostar, faz alguns anos, no jovem Fede Alvarez, e juntos contam com três colaborações tendo Alvarez na direção: Panic Attack! de 2009; um remake de Evil Dead de 2013; e agora Don't Breathe. Parece que agora acertaram em cheio na produção, finalmente. Alvarez chega até a nos impressionar em algumas cenas, como num falso plano sequência quando os jovens entram na residência do ex soldado, e uma iluminação e edição de som que tornam o longa ainda mais tenso. Como o vilão do filme é cego, ele não precisa de luz elétrica, o que gera uma ótima cena no porão, porém ele tem uma audição aguçada, que é tanto um ponto fraco quanto forte, e me remeteu em certos aspectos ao bom Hush desse ano também.

A respeito das atuações, entre os jovens não há muito o que dizer, cumprem o seu papel apenas, tendo como destaque Jane Levy (Suburgatory, 2011 - 2014). O grande personagem do longa é Stephen Lang, que interpreta o ex soldado. Aqui ele constrói um vilão amedrontador, sério, afetado psicologicamente mas que acima de tudo sobreviveu a uma guerra. O que seria para ele três jovens invadindo sua casa? O medo do desconhecido, da escuridão, da violência e da morte: é a tensão que o filme nos causa. Há, além da tensão e do medo, muita violência: socos, tiros, marteladas e muito sangue. E um trabalho muito bem feito pela equipe de maquiagem. Mas apesar de tudo, é claro que o filme contém algumas falhas, como um número muito grande de balas numa arma e os famosos protagonistas sortudos, que conseguem repelir as balas em tiroteio. Com tantos pontos positivos, no fim dá pra relevar esses erros.

O ano felizmente está ótimo para o gênero de terror. Contamos com The Witch (que apesar de ser de 2015, estreou no Brasil esse ano), 10 Cloverfield Lane, Hush, e The Conjuring 2. Apesar de ter falhado tenebrosamente em Before I Wake e um tantinho em The Boy, 2016 está sendo muito agradável. Don't Breathe é mais um filme que merece ser apreciado até por quem não gosta muito do gênero: nos apresenta alguns sustos, violência, muita tensão, um vilão amedrontador e cenas muito bem construidas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Before I Wake

Direção: Mike Flanagan, 2016.
Before I Wake virou O Sono da Morte em sua tradução para o Brasil, e é mais um filme de terror que pode decepcionar muita gente. O longa conta a história de um casal, Jessie (Katie Bosworth) e Mark (Thomas Jane), que após perderem seu único filho, decidem adotar um garoto, Cody (Jacob Trembley). Esse garotinho possui um certo poder especial, que faz os seus sonhos, ou pesadelos, se tornarem reais, e mortais. Aos poucos, as coisas vão saindo do controle e é preciso saber mais sobre o passado de Cody para lidar com tudo isso.

O filme está sendo divulgado como terror, mas será que é isso mesmo? O roteiro possui algumas camadas bem dramáticas, mas o tom de fantasia gerado a partir do poder especial do garoto acaba possibilitando a realização de terror com jump scare ou cenas perturbadoras, o que eu achei bem interessante tentar mesclar esses tons de drama e terror no longa. Porém, mesmo gostando bastante do diretor Mike Flanagan (o mesmo de Oculus, 2013, e Hush, 2016), ele acaba deslizando em algumas coisas, principalmente no ato final. Fora isso, Mike conduz bem o projeto, acertando muito nas partes de terror e horror e na transição entre sonho e realidade. Ponto positivo para a maioria das cenas do "monstro" do filme, que embora alguns jump scares fossem bem óbvios, algumas coisinhas te agozinham um pouco. 

      O grande problema do filme está no ato final, mas não é apenas culpa do diretor. Existem outros profissionais que possam ter contribuído com isso, e creio que parte do elenco e dos roteiristas ajudaram bastante aqui. Para quem viu Room (2015) sabe que Jacob Trembley é um grande nome entre os atores infantis, e aqui ele não dá novamente um show porque o roteiro não ajuda em nada, e principalmente porque seus colegas de trabalho não tem expressão alguma. Katie e Thomas fazem um casal de luto, mas tão de luto que até os espectadores ficam tristes pela falta de carisma e sintonia dos dois. E o roteiro... Tem filmes que uma lição no final se encaixa bem, né? Aqui foi tudo por água abaixo. Alguém dormiu escrevendo os últimos minutos e matou o filme. Para quem viu The Babadook (2014), há no final uma mensagem muito interessante mas que deixa aberto a interpretações; já aqui tudo é muito bem explicado, como se o espectador fosse incapaz de compreender com a narrativa do filme, e a cada frase que alguém falava era uma revirada de olho. Acho que nos dez minutos finais eu acabei me expressando mais do que o casal principal. 

      (ALERTA SPOILER) No clímax, quando Cody está dormindo e tendo pesadelos, Jessie tem que enfrentar o monstro, chamado de Homem Cancro (que original). Antes de tudo isso, Jessie investiga o passado de Cody, cuja mãe morreu e gosta muito de borboletas, e nessa investigação ela descobre uma caixa com objetos da mãe, onde tem uma borboleta de pano. Enfim, Jessie leva essa borboleta consigo, e quando finalmente encontra o Homem Cancro, que tem uma aparência horrível, numa pele cor marrom esverdeada, careca, magro e com profundas olheiras, a moça entrega a digníssima borboleta de pano e abraça o monstro. Ainda no clímax, descobrimos que a mãe do Cody morreu de câncer (oooh!) quando ele era muito novo, e não consegue lembrar muito de sua aparência, mas em sua última visita ao hospital ela estava muito fraca, careca, magra e com olheiras. Pouco antes de acabar aparece o He-Man e diz que os verdadeiros monstros estão dentro da gente e precisamos lutar para vencê-los. A parte do He-Man é mentira, mas a mensagem é essa. Linda, mas não desceu para mim justamente por quebrar com o clímax do filme. 

      O Sono da Morte é um drama com tons de terror e fantasia que possui um clímax desastroso, com uma mensagem bonita mas num tom e no filme errado, e com um elenco lamentável, exceto Trembley. Possui um horror e terror bacanas, mas peca em tantas outras coisas que talvez não valha muito a pena.