Direção: Roberto Berliner, 2016. |
Nise
da Silveira foi uma das primeiras mulheres brasileiras formada em Medicina, e
iniciou uma revolução na psiquiatria brasileira e o tratamento com pacientes em
hospitais psiquiátricos, e o filme conta um pedaço de sua história. O recorte dessa
história que nos é apresentado aqui é de um período em que Nise volta a
trabalhar em seu antigo hospital, só que em uma nova função, pois se recusou a
utilizar em seu ofício alguns métodos de tortura para uma possível cura dos pacientes.
A data é 1944, e o local é o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de
Janeiro, mais precisamente no Engenho de Dentro – guardem esse nome. Nise é
resignada para o setor de Terapia Ocupacional, onde os pacientes eram colocados
para fazer as tarefas de funcionários do local, como limpeza e manutenção do
ambiente. Observando todos os problemas dali, a nossa protagonista
inicia uma revolução no tratamento dos pacientes.
A história dessa mulher é
imensamente importante para o Brasil, e graças a muitas pessoas é que temos,
hoje, um filme de alto nível para nos contar um pouco sobre ela. Vemos na
ficção, tanto cinematográfica quanto literária, um crescimento muito grande de personagens
femininas fortes, e é muito gratificantes observar a história de uma mulher
real vir à tona nesse momento, e ser tratada com tamanho carinho. Se ano
passado nós tivemos Que Horas Ela Volta? sendo um dos grandes filmes
brasileiros, Nise: O Coração da Loucura não fica atrás não. O diretor traz uma
simplicidade e uma delicadeza de Nise mesclada com a brutalidade dos hospitais
psiquiátricos da época. O hospital (e o filme) é retratado como sujo, cinza e
fúnebre até a chegada de Nise, que tenta trazer aos poucos um pouco de cor, luz
e vida ao local.
Na década de 1940, era muito comum o
tratamento de pacientes em instituições psiquiátricas ser através da força,
tortura, eletrochoques, etc. E o filme retrata isso muito bem, trazendo como
vilões os médicos, homens, brancos, ricos, que se preocupam única e
exclusivamente em dar alta para seus pacientes, sem se importar com os meios
para chegar nisso. No início do filme temos uma cena em que um paciente é tratado
com eletrochoques numa palestra, e Nise é a única pessoa que se incomoda com
aquilo, que se sente mal em ver alguém ser torturado, enquanto os outros
médicos, homens, brancos, ricos, acham o método muito inovador e eficiente. Os
homens querem se livrar de seus pacientes o mais rápido possível, finalizando o
seu procedimento com a lobotomia, e a mulher só queria que os pacientes fossem
tratados como seres humanos, que apenas se comunicam de uma maneira diferente.
Nise encontra na arte uma maneira de entender seus pacientes (ou clientes, como
é colocado no longa), e seus clientes encontram na arte uma maneira de se
comunicar com o mundo e reorganizar suas vidas. O hospital nos traz personagens
secundários muito interessantes, artistas, pintores e mais do que isso, grandes
pessoas que só precisavam de compreensão e compaixão.
Nossa protagonista é interpretada
pela excelente Glória Pires, que não surpreende, pois já é uma grande atriz, e
novamente apresenta uma personagem forte, profissional e ao mesmo tempo
carinhosa, humana. Nise foi real, seus clientes também, e as obras que eles
deixaram vão além da realidade, partem para a irrealidade por conseguirem, após
tanto sofrimento e invisibilidade, extrair de seu interior cores e traços que
parte do caos completo até a pureza da natureza. Obras atemporais produzidas no
Engenho de Dentro, não o hospital, mas sim o interior do ser, o coração em
sintonia com o cérebro.
Nise: O Coração da Loucura é um
excelente filme que merece ser visto por todos. É delicado e brutal, mas vai
além: é puramente humano. Trata do inconsciente humano, que é um tema
extremamente complexo, de uma forma natural, compreensível. Nise da Silveira
merece ser conhecida e reconhecida, sua história merece ser lida, e esperamos
que esse longa converse com outras pessoas para revolucionar seus corações.