domingo, 26 de novembro de 2017

O Matador

Direção: Marcelo Galvão, 2017.
Primeiro filme brasileiro original da Netflix, é uma espécie de tentativa de refazer Cidade de Deus (2002, Fernando Meirelles) no sertão nordestino. Alguns e acertos e alguns erros, é claro, que fazem do filme ser uma boa porta aberta para a Netflix continuar com as produções aqui, por mais que a maioria do público não tenha gostado (pelo que eu vi).

O filme conta a história de uma história: um homem e duas crianças são parados por dois pistoleiros numa mata, e para entreter os bandidos o primeiro homem decide contar uma boa história que aconteceu há algum tempo naquelas redondezas. O rapaz conta uma história que aconteceu entre 1910 e 1940 mais ou menos, época do Cangaço, com as figuras dos conhecidos Lampião, Maria Bonita e Corisco correndo por fora do foco principal do filme: Corisco até chega a aparecer, para situar a época e a importância. Havia crescido naquela região um tal de Cabeleira (Diogo Morgado), que fora criado por Sete Orelhas (Deto Montenegro), um cangaceiro que em certo momento desaparece, e Cabeleira vai atrás de respostas.

Como é uma história dentro de uma história, há muita narração, assim como Buscapé (Alexandre Rodrigues) faz em Cidade de Deus. Além da narração e de nomes de personagens serem bem similares (ou iguais), O Matador busca destrinchar a história no meio, e observar outros personagens que tiveram importância no local, mas com 45 minutos a menos e com personagens não tão carismáticos como Bené (Phellipe Haagensen), ficou difícil circular no núcleo desses personagens enquanto outros ficavam abandonados. Por isso, há uma evidente quebra de ritmo da metade pro final, quando Cabeleira é deixado de lado por várias cenas.

       Mesmo sem Fátima Toledo para preparar o elenco d'O Matador, Diogo Morgado é uma grande surpresa como Cabeleira, um rapaz doído pelo seu passado, duro, sofrido, árduo, criado por um cangaceiro no sol quente do sertão. Com um andar pesado, característico, um olhar desconfiado mas confiante em si mesmo e uma voz arrastada, Cabeleira rapidamente fica conhecido e temido na região, e Morgado nos mostra o porquê com o seu trabalho. O grande vilão fica por conta do francês Monsieur Blanchard (Etienne Chicot), que mesmo sendo caricato, é ótimo para o papel.

       A obra tem como palco o nordeste brasileiro, e nada melhor como referência cinematográfica para isso do que Glauber Rocha. Com Barravento (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), e O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro (1968) no currículo, Rocha explorou bastante sua terra natal: não só as belezas naturais, a terra, o sol, as paisagens em si, mas também as pessoas que lá estavam, abandonadas pelo mundo. Enquanto Rocha ostentava uma fotografia P&B, Galvão tem as cores a seu favor, e sabendo muito bem disso ele abusa, de uma boa forma. A pobreza do povo, os rostos cansados e suados pela vida, e a imensidão que é o sertão são destacados com cores quentes e até alguns takes com a luz conta que dão quadros belíssimos. Além de Rocha, há muita influência de Sergio Leone (Il buono, Il brutto, Il cattivo, 1966), com todos os closes nas faces dos personagens.


       
       O Matador é rotulado também como um western brasileiro, o que é muito raro de se ver: temos três grandes nomes, dois já citados de Galuber Rocha, e O Cangaceiro (1953, Lima Barreto). Talvez o mais conhecido seja Faroeste Caboclo (2013, René Sampaio), que infelizmente não é tão bom. Galvão traz uma crueldade que não estávamos acostumados antes nessas terras: muito tiro, muito grito e muito sangue, além da fome e das injustiças que assolam a região.

       Netflix inicia com um ótimo filme no cenário nacional, mesmo tendo seus problemas de ritmo, consegue contar uma boa história e arrisca em muitas coisas, homenageando o antigo e abrindo novos caminhos para o cinema brasileiro. Apesar das comparações que faço serem exageradas às vezes, vale muito a pena apostar nesta obra.

Nenhum comentário :

Postar um comentário