Direção: José Mojica Marins, 1970. |
O cinema no Brasil sempre foi
muito complicado. Tanto o fazer cinema quanto a história do cinema nacional são
emblemáticas, difíceis e com muitas reviravoltas: filmes que se perderam no
tempo, produtoras falidas e cineastas esquecidos. José Mojica Marins é um
deles. Lembrado apenas por alguns diretores e críticos, Mojica não recebeu o
respeito merecida em sua época, e o público brasileiro não deu atenção
necessária às suas obras polêmicas e controvérsias (muito por conta da nudez
que o levou para os pornôs posteriormente)
Terceira obra de Marins presente
na lista dos 100 melhores filmes brasileiros segundo a Abraccine (Associação
Brasileira de Críticos de Cinema), o Ritual dos Sádicos foi lançado
comercialmente só nos anos 80. O longa permaneceu mais de dez anos sob o olhar
dos censores da Ditadura, pois continha muita nudez e "tóxicos". Após
seu lançamento comercial, adquiriu alguns prêmios no circuito nacional, e
Mojica deixou sua marca (mais uma vez) no cinema brasileiro ao retratar em
plena década de 70 o consumo das drogas e algumas práticas sexuais.
O Despertar da Besta conta a
história de um psiquiatra que, visando estudar os efeitos do LSD na mente
humana, injeta algumas doses da droga em quatro pacientes perturbados pela
imagem de Zé do Caixão. A narrativa não é convencional: com o formato de um
pseudo documentário, a primeira parte do filme conta alguns casos noticiados
que envolviam o uso das drogas e a sexualidade aflorada, seja um romance, um
orgia, um adultério ou um abuso. Enquanto os casos vão sendo contados por
psiquiatras, Mojica (no papel dele mesmo) observa tudo sem entender a sua
relação com os acontecidos, até o vermos num tribunal popular, onde sua obra
cinematográfica está sendo julgada. Ainda como um pseudo documentário, em forma
de ficção o diretor desabafa sobre a dificuldade de fazer filmes no Brasil,
inovar num gênero inexistente no país e ainda ser esnobado pela crítica da
época.
Após o
julgamento, é iniciada a pesquisa com LSD nas pessoas, e Mojica brilha mais uma
vez. Assim como em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967), o filme todo é
em preto e branco e quando a experiência acontece o horror vira cor. Vale
destacar também que até esta parte o filme contou apenas os casos citados
acima, com muita nudez, mas sem o terror clássico de Zé do Caixão. Agora, em
cores, Zé aparece aterrorizando as quatro cobaias, representando o terror em
suas mentes com (novamente) muita nudez, gritos, agressões e sustos.
Como falei,
Mojica brilha. Segundo ele, "fazer um filme no Brasil era como construir
um foguete e voar até a lua", e tal qual Glauber Rocha (Terra em Transe,
1967) e Anselmo Duarte (O Pagador de Promessas, 1962), citados no filme, Mojica
vai até a lua com seu foguete ardendo com o fogo do inferno e agoniando de dor.
A viagem no ácido é construída com muitos cortes, risadas e gritos
perturbadores, utilização de cores quentes como vermelho, amarelo e laranja
contrastando com verde e azul e Zé do Caixão levando cada mente para sua
loucura singular, remetendo ao sexo, ao horror e aos abusos. Destaque para a
escada humana em que Zé desce no início.
Interessante
pontuar também que ao mesmo tempo em que temos, no Brasil, Glauber Rocha,
Joaquim Pedro de Andrade e Rogério Sganzerla realizando O Dragão da Maldade
contra o Santo Guerreiro (1969), Macunaíma (1969) e O Bandido da Luz Vermelha
(1968), respectivamente, marcos do Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal,
José Mojica Marins não fica para traz e segue experimentando o seu terror
brasileiro em uma das suas melhores formas, criticando a sociedade ao mesmo
tempo em que a aterroriza, com um anti-herói emblemático.
Ao seu fim,
o longa pincela sobre o uso das drogas usadas moderadamente, pois a mente
humana já está doente demais, sendo um retrato de uma sociedade corruptiva (ou
vice-versa). Mojica encerra sua obra com uma canção retratada no começo do
mesmo: Guerra, de De Kalafe e A Turma. "Paz, paz, paz, eu sei não há mais,
mas tento esquecer que vamos morrer, morrer muito cedo por causa do medo, por
causa de loucos que eu sei não são poucos, que querem assim pra todos um fim,
por meio da guerra fazendo varrer da face da terra tudo que existe, meu Deus
vai ser triste”.
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