quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Despertar da Besta (Ritual dos Sádicos)

Direção: José Mojica Marins, 1970.
O cinema no Brasil sempre foi muito complicado. Tanto o fazer cinema quanto a história do cinema nacional são emblemáticas, difíceis e com muitas reviravoltas: filmes que se perderam no tempo, produtoras falidas e cineastas esquecidos. José Mojica Marins é um deles. Lembrado apenas por alguns diretores e críticos, Mojica não recebeu o respeito merecida em sua época, e o público brasileiro não deu atenção necessária às suas obras polêmicas e controvérsias (muito por conta da nudez que o levou para os pornôs posteriormente)

Terceira obra de Marins presente na lista dos 100 melhores filmes brasileiros segundo a Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), o Ritual dos Sádicos foi lançado comercialmente só nos anos 80. O longa permaneceu mais de dez anos sob o olhar dos censores da Ditadura, pois continha muita nudez e "tóxicos". Após seu lançamento comercial, adquiriu alguns prêmios no circuito nacional, e Mojica deixou sua marca (mais uma vez) no cinema brasileiro ao retratar em plena década de 70 o consumo das drogas e algumas práticas sexuais.

O Despertar da Besta conta a história de um psiquiatra que, visando estudar os efeitos do LSD na mente humana, injeta algumas doses da droga em quatro pacientes perturbados pela imagem de Zé do Caixão. A narrativa não é convencional: com o formato de um pseudo documentário, a primeira parte do filme conta alguns casos noticiados que envolviam o uso das drogas e a sexualidade aflorada, seja um romance, um orgia, um adultério ou um abuso. Enquanto os casos vão sendo contados por psiquiatras, Mojica (no papel dele mesmo) observa tudo sem entender a sua relação com os acontecidos, até o vermos num tribunal popular, onde sua obra cinematográfica está sendo julgada. Ainda como um pseudo documentário, em forma de ficção o diretor desabafa sobre a dificuldade de fazer filmes no Brasil, inovar num gênero inexistente no país e ainda ser esnobado pela crítica da época. 
       
      Após o julgamento, é iniciada a pesquisa com LSD nas pessoas, e Mojica brilha mais uma vez. Assim como em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967), o filme todo é em preto e branco e quando a experiência acontece o horror vira cor. Vale destacar também que até esta parte o filme contou apenas os casos citados acima, com muita nudez, mas sem o terror clássico de Zé do Caixão. Agora, em cores, Zé aparece aterrorizando as quatro cobaias, representando o terror em suas mentes com (novamente) muita nudez, gritos, agressões e sustos. 

      Como falei, Mojica brilha. Segundo ele, "fazer um filme no Brasil era como construir um foguete e voar até a lua", e tal qual Glauber Rocha (Terra em Transe, 1967) e Anselmo Duarte (O Pagador de Promessas, 1962), citados no filme, Mojica vai até a lua com seu foguete ardendo com o fogo do inferno e agoniando de dor. A viagem no ácido é construída com muitos cortes, risadas e gritos perturbadores, utilização de cores quentes como vermelho, amarelo e laranja contrastando com verde e azul e Zé do Caixão levando cada mente para sua loucura singular, remetendo ao sexo, ao horror e aos abusos. Destaque para a escada humana em que Zé desce no início.





      Interessante pontuar também que ao mesmo tempo em que temos, no Brasil, Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Rogério Sganzerla realizando O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969), Macunaíma (1969) e O Bandido da Luz Vermelha (1968), respectivamente, marcos do Cinema Novo, Tropicalismo e Cinema Marginal, José Mojica Marins não fica para traz e segue experimentando o seu terror brasileiro em uma das suas melhores formas, criticando a sociedade ao mesmo tempo em que a aterroriza, com um anti-herói emblemático.


      Ao seu fim, o longa pincela sobre o uso das drogas usadas moderadamente, pois a mente humana já está doente demais, sendo um retrato de uma sociedade corruptiva (ou vice-versa). Mojica encerra sua obra com uma canção retratada no começo do mesmo: Guerra, de De Kalafe e A Turma. "Paz, paz, paz, eu sei não há mais, mas tento esquecer que vamos morrer, morrer muito cedo por causa do medo, por causa de loucos que eu sei não são poucos, que querem assim pra todos um fim, por meio da guerra fazendo varrer da face da terra tudo que existe, meu Deus vai ser triste”.



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